Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5013728-97.2025.4.04.0000/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

RELATÓRIO

Trata de agravo de instrumento interposto contra decisão contra decisão que reconheceu a coisa julgada em relação ao períodos de atividade especial de 14/07/1983 a 16/03/1995 (evento 13, DECISÃO/3).

Argumenta o agravante, em síntese, que na presente demanda pretende o reconhecimento da especialidade da atividade em razão dos agentes calor e fuligem, conquanto na demanda anterior discutia-se a atividade especial do trabalhador rural por categoria profissional. Alega que a demanda anterior não analisou a especialidade sob a perspectiva dos agente nocivos ora invocados, o pedido de reconhecimento da especialidade da atividade prestada, em nova demanda, para fins de concessão de aposentadoria especial, não afronta a coisa julgada. Cita precedentes.

Remetido os autos a este gabinete em razão de possível prevenção (evento 4, DESPADEC1).

Acolhida a prevenção, foi determinado que a parte agravante complementasse a documentação necessária para o julgamento do recurso (evento 7, DESPADEC1).

O autor complementou a instrução (evento 13, OUT1).

Sem contrarrazões.

É o relatório.

Peço dia.

VOTO

Coisa julgada. Agente nocivo diverso.

Cuida-se de perquirir se o exame do mérito do pedido deduzido na petição inicial está obstado pela coisa julgada material (pressuposto processual negativo), ex vi do art. 267, V, do CPC/1973 (art. 485, V, do CPC/2015).

O desate da controvérsia passa pelo exame da identidade entre as ações, uma vez que o óbice da coisa julgada exsurge apenas quando configurada a tríplice identidade das demandas, ou seja, a identidade de partes, de pedido e de causa de pedir (art. 301, § 2º, CPC/1973; art. 337, § 2º, CPC/2015). A alteração de quaisquer desses elementos identificadores afasta, com efeito, a incidência da coisa julgada.

No que tange à causa de pedir, é cediço que, pela teoria da substanciação, ela é composta pelos fundamentos jurídicos e fáticos que sustentam o pedido. Conforme assentou José Rogério Cruz e Tucci, "compõem a causa petendi o fato (causa remota) e o fundamento jurídico (causa próxima)" (in A causa petendi no processo civil. 2ª Ed. São Paulo: RT, 2001, p. 154).

A constatação é especialmente relevante em relações jurídicas continuativas, de que constitui exemplo aquela envolvendo o segurado e a Previdência Social, pois a alteração de uma circunstância fática, por representar modificação da própria causa de pedir, é capaz de justificar a propositura de nova ação.

Quando a ação estiver embasada em causa de pedir distinta, como o indeferimento de novo pedido pedido administrativo, que teve por base fato diverso, v.g., novo evento incapacitante (em caso de benefício por incapacidade), agregação de mais tempo de contribuição ou de idade (no caso de aposentadorias), ou preenchimento de novo período de carência (para os benefícios em geral que o exigem) a nova ação não se confunde com a demanda anterior, já acobertada pelo manto da coisa julgada.

Nessas hipóteses, não se está a falar em relativização da coisa julgada, pois as demandas são distintas. Ocorre, simplesmente, que a coisa julgada não incide na nova demanda, pois se trata de uma ação diversa daquela que ensejou a formação da res judicata.

Nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA. 1. Formulado novo pedido de concessão de aposentadoria na via administrativa, com pretensão ao cômputo de novos e antigos períodos e início de benefício em data posterior, não há falar em coisa julgada. No sistema processual brasileiro, especialmente nas ações individuais típicas, não fazem coisa julgada a verdade dos fatos e os motivos, ainda que importantes para determinar a parte dispositiva da sentença. 2. Sentença anulada. Início razoável de prova material. Necessidade de produção de prova oral. (TRF4, AC 5000727-70.2015.404.9999, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, 19/06/2015).

Para melhor elucidação da controvérsia, transcrevo a decisão agravada:

1. Trata-se de Ação Previdenciária revisional de aposentadoria por tempo de contribuição, ajuizada por J. A. D. C., em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS.

Preliminarmente, revendo o acórdão de mov. 21.2, observo que não houve o reconhecimento da especialidade dos períodos de 14/07/1983 a 16/03/1995, e que estes são pleiteados no presente processo.

No referido acórdão ficou estabelecido o não reconhecimento da especialidade no período pretendido, seja por enquadramento em categoria profissional, seja em virtude da apresentação apresentada.

Assim, estamos diante do não reconhecimento da especialidade do período por nenhum dos meios.

Ademais, diante do não reconhecimento do período em outros autos e o pedido de reconhecimento neste processo, configura-se a coisa julgada (art. 337, §4º do Código de Processo Civil).

Desta forma, o período de 14/07/1983 a 16/03/1995 não serão novamente discutidos nestes autos.

(...)

No caso em apreço, a parte autora requer a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, postulando o reconhecimento de períodos laborados como especiais.

Entretanto, nos autos do processo nº 00034357420198160137/PR, que tramitou na Justiça estadual, em razão do exercício da competência delegada, o pedido foi julgado parcialmente procedente com fundamento no art. 487, I, do CPC, ou seja, com resolução de mérito.

Há de se observar que o período de 14/07/1983 a 16/03/1995 fora postulado na ação anterior ajuizada, sendo indeferida a especialidade no interregno citado. Incoformado, interpôs recurso de apelação buscando o reconhecimento da especialidade do período de 14/07/1983 a 16/03/1995.

Em sede de apelação, tombada sob o nº 5000451-29.2021.4.04.9999/PR, de minha relatoria, foi negado o provimento à apelação.

Oportunamente, transcrevo excerto nuclear da fundamentação:

No caso dos autos, a controvérsia diz respeito à especialidade - ou não - dos períodos de 14/07/1983 a 16/03/1995.

A sentença foi fundamentada desta maneira:

O autor, por sua vez, alegou o seguinte (ev. 63, p. 2, realce original):

O autor, ainda, trouxe os seguintes argumentos (ev. 63, p. 7):

Não assiste razão ao apelante.

O enquadramento por categoria profissional dos trabalhadores rurais da agroindústria exige o trabalho em agropecuária, como fundamentado em tópico precedente desta fundamentação. Logo, o trabalho exclusivamente realizado na lavoura não permite o pretendido enquadramento profissional. No caso, o PPP e o laudo técnico para tais períodos demonstram que o trabalho era exercido apenas na lavoura de cana de açúcar e de café (ev. 1, OUT7, p. 1, item 14.2 do PPP, "descrição das atividades"; e p. 3, item "descrição das atividades" no laudo técnico).

Além disso, não me escapa que o PPP atesta exposição a radiações não ionizantes (ev. 1, OUT7, p. 1, item 15.3, "fator de risco"). Porém, o laudo técnico revela que tal agente deriva de raios solares (idem, pp. 3-4, item "fonte geradora"). Como já referido em tópico anterior desta fundamentação, é considerada insalubre para fins previdenciários somente a radiação proveniente de fontes artificiais.

Outrossim, quanto aos agentes químicos, percebo que consta a sujeição do segurado a defensivos agrícolas no laudo técnico (ev. 1, OUT7, p. 4, item "agentes químicos"), embora não haja menção no PPP (ev. 1, OUT7, pp. 1-2). Porém, o mesmo laudo técnico conclui que "a exposição a agentes químicos se dá de maneira eventual" (idem, p. 9, item 2), bem como cita a existência de diversos equipamentos de proteção individual, como luva para corte de cana, óculos de segurança contra impacto, protetor facial, avental impermeável, bota de borracha, luva nitrílica, protetor respiratório etc. (idem, p. 4, item "tecnologia de proteção individual", subitem "Uso Específico").

Vejam-se os documentos referidos (ev. 1, OUT7, pp. 1-9, realcei):

Logo, entendo que, de fato, não há amparo para o reconhecimento da especialidade no período pretendido pelo apelante, seja por enquadramento em categoria profissional, seja em virtude da documentação apresentada.

Conforme se verifica, naquela ação a parte autora buscou o reconhecimento da especialidade em face do enquadramento por categoria profissional dos trabalhadores rurais da agroindústria.

Portanto observa-se causa de pedir distinta da postulada anteriormente, de modo que a nova ação não se confunde com a demanda anterior, já acobertada pelo manto da coisa julgada.

A Terceira Seção deste Tribunal Regional Federal firmou o entendimento de que, nas demandas relativas a reconhecimento de tempo especial, a eficácia preclusiva da coisa julgada sobre sentença de improcedência em ação anterior não atinge eventual agente nocivo que não integrou a causa de pedir daquela demanda:

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. TEMPO DE SERVIÇO. ESPECIALIDADE. COISA JULGADA. NÃO OCORRÊNCIA. AGENTE NOCIVO DISTINTO. 1. As questões de fato que não foram deduzidas na ação anterior, mas que guardam autonomia relativamente às que foram, não ficam cobertas pela preclusão, porque seu exame, para fins de procedência ou improcedência do pedido no novo processo, não significará tornar sem efeito ou mesmo rever a justiça da decisão dada na primeira demanda sobre as alegações que lá foram lançadas e resolvidas. 2. Estender-se a eficácia preclusiva da coisa julgada para além da questão de fato suscitada na demanda anterior, de forma a alcançar outras questões de fato que, individualmente, poderiam levar ao reconhecimento do mesmo direito, é violar o princípio da substanciação da demanda, o princípio da demanda e a própria garantia de acesso ao Poder Judiciário em caso de lesão a direito. 3. Caso em que a primeira demanda foi julgada improcedente ao fundamento da insuficiência da prova quanto ao agente nocivo representado pelo ruido, ao passo que na segunda ação o pedido foi articulado com base exposição contínua a hidrocarbonetos. 4. Evidenciada a diferença entre as causas de pedir, afasta-se a coisa julgada. (TRF4, ARS 5048589-85.2020.4.04.0000, 3ª S., Relatora Des. Federal Taís Schilling Ferraz, 13/06/2023)

No mesmo sentido, as decisões do Superior Tribunal de Justiça:

Entendo que, se o pedido foi baseado em um agente (ruído, v.g.), e com base nele rejeitado, é possível a sua rediscussão em nova ação, à luz de outro agente nocivo, já que se caracteriza, em tal situação, uma nova causa petendi, e a ação não se repete senão quando idênticas são as partes, a causa de pedir e o pedido. (AgInt no REsp nº 1.663.739, Relator Ministro Benedito Gonçalves, DJe 7/12/2017)

De fato, mais do que prova nova, no caso dos autos, a causa de pedir é diferente, já que o pedido de reconhecimento do tempo especial é baseado na exposição a outro agente nocivo, que não foi objeto de análise na demanda anterior. Alterado o fato alegado, altera-se a causa de pedir remota e, portanto, não se pode falar em repetição de demanda. Assim, ausente a tríplice identidade, não há coisa julgada. (AREsp nº 2.068.586, Relator Ministro Og Fernandes, DJe 18/8/2022)

Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao agravo de instrumento.



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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5013728-97.2025.4.04.0000/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

EMENTA

agravo de instrumento. previdenciário. coisa julgada. não ocorrência. agente nocivo diverso. reconhecimento de atividade especial. possibilidade.

O desate da controvérsia passa pelo exame da identidade entre as ações, uma vez que o óbice da coisa julgada exsurge apenas quando configurada a tríplice identidade das demandas, ou seja, a identidade de partes, de pedido e de causa de pedir (art. 337, § 2º, CPC). A alteração de quaisquer desses elementos identificadores afasta, com efeito, a incidência da coisa julgada.

Hipótese em que se observa causa de pedir distinta da postulada anteriormente, de modo que a nova ação não se confunde com a demanda anterior, já acobertada pelo manto da coisa julgada.

A Terceira Seção deste Tribunal Regional Federal firmou o entendimento de que, nas demandas relativas a reconhecimento de tempo especial, a eficácia preclusiva da coisa julgada sobre sentença de improcedência em ação anterior não atinge eventual agente nocivo que não integrou a causa de pedir daquela demanda..

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Curitiba, 12 de agosto de 2025.



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Extrato de Ata
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Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 04/08/2025 A 12/08/2025

Agravo de Instrumento Nº 5013728-97.2025.4.04.0000/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

PROCURADOR(A): FLÁVIO AUGUSTO DE ANDRADE STRAPASON

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 04/08/2025, às 00:00, a 12/08/2025, às 16:00, na sequência 625, disponibilizada no DE de 24/07/2025.

Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

SUZANA ROESSING

Secretária



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