Apelação Cível Nº 5016743-22.2022.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
RELATÓRIO
O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS interpôs recurso de apelação contra sentença que julgou o pedido formulado na inicial nos seguintes termos:
(...) Ante o exposto, rejeito a alegação de prescrição e, no mérito, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido da parte autora, para condenar o INSS a: a) reconhecer-lhe o período de 03/03/1987 até 05/03/1997 como laborado em condições especiais, convertendo-o em tempo de serviço comum pelo fator 1,4; b) conceder-lhe o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde a DER (30/11/2020), na sistemática de cálculo mais benéfica, nos termos da fundamentação (vide item 'V'), observado o direito adquirido do autor ao benefício em momento anterior à EC 103/2019); e c) pagar-lhe o montante correspondente às parcelas vencidas, segundo cálculo a ser realizado após o trânsito em julgado desta decisão, e as vincendas.
Considerando a sucumbência mínima do autor, e observados os critérios do CPC (artigo 85, § 2º, incisos I a IV), condeno a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios, fixados no percentual mínimo de cada uma das faixas de valor do § 3º, com a evolução do § 5º (artigo 85), incidente sobre o montante das parcelas vencidas até a data de publicação desta sentença (Súmulas 76 do TRF da 4ª Região e 111 do STJ).
Condeno ainda o INSS ao ressarcimento das custas processuais adiantadas pela parte autora.
Sem reexame necessário, porquanto o proveito econômico obtido não superará o patamar que dispensa esse mecanismo processual, em conformidade ao disciplinado no inciso I do § 3º do art. 496 do CPC. (...)
Em suas razões, o INSS sustentou, em síntese, a impossibilidade de reconhecimento da especialidade das atividades exercidas no período deferido na sentença, ante a ausência de comprovação da habitualidade e permanência da exposição a agentes nocivos no período laborado pelo autor na condição de aprendiz, bem como em razão da inviabilidade de enquadramento da especialidade pela categoria profissional de trabalhadores na indústria metalúrgica.
Com contrarrazões ao recurso, vieram os autos a este Tribunal para julgamento.
VOTO
Legislação Aplicável
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
Recebimento do recurso
Importa referir que a apelação deve ser recebida, por ser própria, regular e tempestiva.
Delimitação da demanda
Considerando que não há remessa necessária, no caso em exame, a controvérsia fica limitada à análise do período de atividade especial reconhecido na sentença e do benefício de aposentadoria concedido.
Estando presentes os requisitos de admissibilidade do processo e não havendo vícios a serem saneados, passo ao exame do mérito da causa.
Atividades exercidas em condições especiais
O reconhecimento da especialidade obedece à disciplina legal vigente à época em que a atividade foi exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a vigência de certa legislação, o segurado adquire o direito à contagem na forma estabelecida, bem como à comprovação das condições de trabalho como então exigido, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Feitas estas observações e tendo em vista a sucessão de leis que trataram a matéria diversamente, é necessário definir qual deve ser aplicada ao caso concreto, ou seja, qual se encontrava em vigor no momento em que a atividade foi prestada pelo segurado, levando em consideração a seguinte evolução legislativa do tema:
Até 28 de abril de 1995, quando esteve vigente a Lei 3.807/1960 (LOPS) e suas alterações e, posteriormente, a Lei 8.213/1991 (LBPS), em sua redação original (artigos 57 e 58), era possível o reconhecimento da especialidade do trabalho mediante a comprovação do exercício de atividade prevista como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou, ainda, quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para os agentes nocivos ruído e calor (STJ, AgRg no REsp 941885/SP, Quinta Turma, Relator Ministro Jorge Mussi, DJe 4/8/2008; e STJ, REsp 639066/RJ, Quinta Turma, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ 7/11/2005), quando então se fazia indispensável a mensuração de seus níveis por meio de perícia técnica, documentada nos autos ou informada em formulário emitido pela empresa, a fim de verificar a nocividade dos agentes envolvidos;
A partir de 29 de abril de 1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13/10/1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória 1.523, de 14/10/1996, que a revogou expressamente - de modo que, para o intervalo compreendido entre 29/4/1995 (ou 14/10/1996) e 5/3/1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei 9.032/1995 no artigo 57 da LBPS, torna-se necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima;
A partir de 6 de março de 1997, data da entrada em vigor do Decreto 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da LBPS pela Medida Provisória 1.523/1996 (convertida na Lei 9.528/1997), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
A respeito da possibilidade de conversão do tempo especial em comum, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial Repetitivo nº 1.151.363, do qual foi Relator o Ministro Jorge Mussi, decidiu que "permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998", pois a partir da última reedição da MP 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o §5º do artigo 57 da Lei 8.213/1991.
Assim, considerando que o artigo 57, §5º, da Lei 8.213/1991 não foi revogado, nem expressa, nem tacitamente, pela Lei 9.711/1998 e que, por disposição constitucional (artigo 15 da EC 20 de 15/12/1998), permanecem em vigor os artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios até que a lei complementar a que se refere o artigo 201, §1º, da Constituição Federal, seja publicada, é possível a conversão de tempo de serviço especial em comum inclusive após 28/05/1998.
Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 2ª parte), 72.771/1973 (Quadro II do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo II) até 28/4/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 1ª parte), 72.771/1973 (Quadro I do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo I) até 5/3/1997, e os Decretos 2.172/1997 (Anexo IV) e 3.048/1999 a partir de 6/3/1997, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto 4.882/2003. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre é possível, também, a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30/6/2003).
Com essas observações, avanço para a análise detalhada dos fatos.
CASO CONCRETO
Por estar em consonância com o entendimento desta Relatoria quanto às questões deduzidas, a sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos, os quais transcrevo, adotando como razões de decidir, in verbis:
(...) IV.
Examino, doravante, os períodos pretendidos como de labor especial, à vista das provas carreadas aos autos.
Empresa | GKN do Brasil LTDA (Albarus Transmissões Hemocinéticas Ltda) |
Período | de 03/03/1987 a 05/03/1997 |
Cargos/Setores | Aprendiz SENAI (de 03/03/1987 a 01/01/1989) Auxiliar de Fábrica (de 02/01/1989 a 31/01/1989) Auxiliar de Inspeção de Qualidade (de 01/02/1989 e 31/10/1989) Inspetor de Qualidade Dimensional (de 01/11/1989 e 30/04/1992) Desenhista Projetista Jr. (de 01/05/1992 a 31/08/1992) Projetista Cad. (de 01/09/1992 a 05/03/1997) |
Provas | CTPS ( )Certificado de Aprendizagem ( )PPP ( )LTCAT ( ) |
Enquadramento por atividade | Código 2.5.2 e 2.5.3 do anexo ao Decreto nº 53.831/64; |
Agente nocivo | Ruído superior a 80 dB(A): item 1.1.6 do Quadro anexo ao Decreto nº 53.831/64 (até 05/03/97). |
Conclusão | CARACTERIZADA A ESPECIALIDADE:
1. No que toca à possibilidade de reconhecimento, como tempo especial, do período de 03/03/1987 a 01/01/1989, em razão do labor como menor aprendiz vinculado ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), menciono o entendimento da Turma Regional de Uniformização da 4ª Região:
EMENTA: PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL LABORADO NA CONDIÇÃO DE ALUNO-APRENDIZ VINCULADO AO SENAI. POSSIBILIDADE. PEDIDO PROVIDO. 1. Conforme precedentes do STJ, "no curso de aprendizagem profissional, o aluno não é um simples estudante, mas um verdadeiro integrante da cadeia produtiva, sujeito a normas de cunho trabalhista e a jornadas de trabalho típicas do empregado comum". E "o reconhecimento do período de ensino ministrado pelo SENAI, para fins previdenciários, tem por finalidade assegurar o aproveitamento dos períodos não exclusivos de estudos, combatendo-se a prestação de serviços sob regras de cunho trabalhista, sem a garantia de direitos futuros. Entendimento contrário implicaria injustificada discriminação, privilegiando-se com o benefício da contagem apenas os alunos de Escolas Técnicas Federais, que exerceram atividades de ensino remuneradas nos mesmos moldes que os alunos do SENAI" (STJ, 6ª Turma, AgRg no REsp 507.440/PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 09/12/2008; e STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 691.826/RN, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 01/02/2010). 2. O período de trabalho prestado por aluno-aprendiz vinculado ao SENAI pode possibilitar o reconhecimento de tempo de serviço especial se ficar comprovado que o aprendiz trabalhou nas mesmas condições de trabalho dos demais empregados. 3. Isto ainda que mediante o cumprimento de jornada de trabalho parcial, se ainda caracterizado o vínculo empregatício conforme previsto no art. 58 da CLT, mas desde que não fique frustrado o contato habitual com os agentes nocivos, ou seja, desde que a jornada normal de trabalho compreenda pelo menos 5 (cinco) dias da semana. 4. E, ainda, desde que haja enquadramento nos níveis de tolerância dos agentes nocivos que dependem de avaliação quantitativa e/ou fique comprovada a exposição habitual e permanente (ou intermitente, cf. a época) aos agentes nocivos que dependem meramente de avaliação qualitativa (como muitos agentes químicos). 5. Pedido conhecido provido, com retorno à Turma Recursal de origem para juízo de adequação. (5003855-71.2011.4.04.7111, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relatora JACQUELINE MICHELS BILHALVA, juntado aos autos em 21/08/2015)
Na hipótese, a prova testemunhal deu conta de que o autor exercia suas funções nas mesmas condições que os empregados efetivos da empresa. Ademais, o próprio PPP refere que o autor operava tornos mecânicos, fresadoras e retificadoras.
Nesse contexto, a atividade do autor pode ser enquadrada, por analogia, nos itens que tratam dos trabalhadores em indústrias metalúrgicas e mecânicas, previstas no Anexo do Decreto nº 53.831/64 (códigos 2.5.2 e 2.5.3) e no Anexo II do Decreto nº 83.080/79 (código 2.5.1). No ponto, o seguinte precedente (grifou-se):
2. Quanto aos demais períodos, o PPP aponta exposição a ruídos de 85 a 104 dB(A) para o intervalo de 01/02/1989 a 30/04/1992, bem como ruído de 81,1 dB(A) no lapso de 01/05/1992 a 05/03/1997, portanto, acima do limite de 80 dB(A) então vigente.
Ressalto que, sendo os períodos anteriores a 19/11/2003, não é exigível a adoção do NEN na medição do ruído, sendo possível ainda a adoção do critério de pico de ruído. Assim, o maior ruído (ou o único) informado no laudo ou no formulário regularmente emitido pode ser considerado para fins de verificação do labor especial. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. 1. [...] O Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial Repetitivo (Tema 1.083), firmou a seguinte tese: O reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido por meio do Nível de Exposição Normalizado (NEN). Ausente essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço (Relator Ministro Gurgel de Faria, REsp 1.886.795/RS, Primeira Seção, unânime, trânsito em julgado em 12/08/2022). 11. Restou assentado no representativo de controvérsia que somente a partir do início da vigência do Decreto nº 4.882/03, que acrescentou o § 11 ao art. 68 do Decreto nº 3.048/99, é que se tornou exigível, no LTCAT e no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), a referência ao critério Nível de Exposição Normalizado - NEN (também chamado de média ponderada) em nível superior à pressão sonora de 85 dB, a fim de permitir que a atividade seja computada como especial. Para os períodos de tempo de serviço especial anteriores à edição do referido Decreto, que alterou o Regulamento da Previdência Social, não há que se requerer a demonstração do NEN, visto que a comprovação do tempo de serviço especial deve observar o regramento legal em vigor por ocasião do desempenho das atividades. No caso, quanto ao tempo de serviço anterior a 19/11/2003, deve prevalecer a adoção do critério de pico de ruído, ainda que a pressão sonora não tenha sido aferida de acordo com a dosimetria NEN. 12. Em se tratando de atividade prestada após 19/11/2003, é possível o seu enquadramento como especial com base no LTCAT da empresa, elaborado por engenheiro ou médico de segurança do trabalho, que ateste a nocividade do tempo de serviço, ainda que ausente referência sobre a metodologia empregada ou utilizada técnica diversa da determinada na NHO 01 da Fundacentro, sendo desnecessária a realização de perícia judicial. [...]. (TRF4, AC 5005354-87.2020.4.04.7204, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 17/05/2023, destaquei)
Portanto, cumpre reconhecer o exercício de atividade especial nos períodos ora avaliados. |
(...)
Em atenção ao recurso apresentado pela Autarquia, cumpre tecer algumas observações acerca do tempo especial reconhecido na sentença:
Atividade especial exercida pelo aluno aprendiz
O trabalho prestado como aprendiz pode ser contabilizado para acessar aposentadoria especial. Nesse sentido, inclusive, o STJ possui precedentes da 5ª e da 6ª Turmas no sentido de que no curso de aprendizagem profissional, o aluno não é um simples estudante, mas um verdadeiro integrante da cadeia produtiva, sujeito a normas de cunho trabalhista e a jornadas de trabalho típicas do empregado comum. Por consequência, ainda segundo o STJ, o reconhecimento do período de ensino ministrado pelo SENAI, para fins previdenciários, tem por finalidade assegurar o aproveitamento dos períodos não exclusivos de estudos, combatendo-se a prestação de serviços sob regras de cunho trabalhista, sem a garantia de direitos futuros. Transcrevo a ementa dos seguintes julgados:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ALUNO APRENDIZ. SENAI. CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO DESEMPENHADO APÓS A VIGÊNCIA DO DECRETO-LEI 4.073/42. POSSIBILIDADE. EQUIPARAÇÃO DA SITUAÇÃO DOS ALUNOS DO SENAI COM A DOS ALUNOS EGRESSOS DAS ESCOLAS TÉCNICAS FEDERAIS. VIGÊNCIA DO DECRETO 611/92 À ÉPOCA EM QUE A CONTAGEM FOI REQUERIDA ADMINISTRATIVAMENTE. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. O STJ já firmou entendimento de que nem a Lei nº 3.552/59, nem as sucessivas alterações produzidas pelas Leis nº 6.225/79 e 6.864/80, trariam empecilhos ao reconhecimento do tempo de serviço nos moldes preconizados pelo Decreto-Lei nº 4.073/42, uma vez que, quanto à natureza do curso de aprendizagem e ao conceito de aprendiz, nenhuma alteração teria sido implementada. 2. No curso de aprendizagem profissional, o aluno não é um simples estudante, mas um verdadeiro integrante da cadeia produtiva, sujeito a normas de cunho trabalhista e a jornadas de trabalho típicas do empregado comum. 3. O reconhecimento do período de ensino ministrado pelo SENAI, para fins previdenciários, tem por finalidade assegurar o aproveitamento dos períodos não exclusivos de estudos, combatendo-se a prestação de serviços sob regras de cunho trabalhista, sem a garantia de direitos futuros. Entendimento contrário implicaria injustificada discriminação, privilegiando-se com o benefício da contagem apenas os alunos de Escolas Técnicas Federais, que exerceram atividades de ensino remuneradas nos mesmos moldes que os alunos do SENAI. 4. Aplicação, à espécie, do disposto no art. 58, inciso XXI, do Decreto 611/92, vigente à época em que o segurado requereu o benefício administrativamente, que assegurava expressamente aos alunos do SENAI a contagem de tempo de serviço pleiteada. 5. Agravo regimental ao qual se nega provimento' (grifei) (STJ, 6ª Turma, AgRg no REsp 507.440/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 09/12/2008).
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO. ALUNO-APRENDIZ. SENAI. REEXAME DE PROVAS. NÃO-OCORRÊNCIA. EFEITOS PREVIDENCIÁRIOS. EQUIPARAÇÃO AOS ALUNOS DE ESCOLAS TÉCNICAS FEDERAIS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO IMPROVIDO. 1. Não há reexame de provas quando a equivocada apreciação dos fatos se insere no domínio da própria qualificação jurídica destes, a revelar hipótese de valoração. 2. O reconhecimento do período de ensino ministrado pelo SENAI, para fins previdenciários, tem por finalidade assegurar o aproveitamento dos períodos não exclusivos de estudos, combatendo-se a prestação de serviços sob regras de cunho trabalhista, sem a garantia de direitos futuros. Entendimento contrário implicaria injustificada discriminação, privilegiando-se com o benefício da contagem apenas os alunos de Escolas Técnicas Federais, que exerceram atividades de ensino remuneradas nos mesmos moldes que os alunos do SENAI. AgRg no REsp 507.440/PR, Sexta Turma, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 9/12/08). 3. Agravo regimental improvido. (STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 691.826/RN, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe 01/02/2010).
Não se pode aprioristicamente e de forma generalizada afastar a possibilidade de reconhecimento da especialidade de período prestado na condição de aluno-aprendiz simplesmente porque o aluno-aprendiz estaria 'em fase de aprendizado' e laboraria 'em apenas parte do turno'.
Neste contexto, deve ser improvida a apelação do INSS, no particular.
Enquadramento pela categoria profissional - Trabalhadores em indústrias metalúrgicas e mecânicas
Até a edição da Lei 9.032/1995, a comprovação da atividade especial dos profissionais metalúrgicos podia ser feita mediante enquadramento por categoria profissional. Note-se que essencialmente todas as funções de metalurgia são abrangidas pelos Decretos, de modo que, para a comprovação da atividade especial para períodos anteriores a 28 de abril de 1995, basta comprovar a profissão de trabalhador em indústria metalúrgica.
Para períodos posteriores a 28 de abril de 1995, é exigida a efetiva sujeição a algum agente agressivo à saúde. Cabe mencionar, outrossim, que a jurisprudência já se consolidou no sentido de que o rol de agentes agressivos atualmente previsto na regulamentação não é exaustivo.
Vale destacar que os metalúrgicos são uma categoria de profissionais cuja ocupação principal está diretamente ligada com o tratamento e a produção de um determinado tipo de metal ou de suas ligas, passando pela sua extração e até pelo manuseio ou transformação, entre outras etapas.
Durante todo esse processo de confecção e transformação, esses trabalhadores estão expostos a diversos agentes nocivos, entre eles, os hidrocarbonetos aromáticos, que apresentam benzeno na sua composição. Tal composto é reconhecidamente cancerígeno conforme a Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos (LINACH). Além disso, mantêm contato com radiações não ionizantes, que também aumentam o risco de desenvolver câncer; calor e ruído em excesso; fumaça e fumos metálicos, que são liberados no ar e podem ser inalados pelo metalúrgico.
Habitualidade e permanência da exposição a agentes nocivos
Para a caracterização da especialidade, não se exige exposição às condições insalubres durante todos os momentos da prática laboral, sendo suficiente que o trabalhador, em cada dia de trabalho, esteja exposto a agentes nocivos em período razoável da jornada, salvo exceções (periculosidade, por exemplo). Habitualidade e permanência hábeis para os fins visados pela norma - que é protetiva - devem ser analisadas à luz do serviço desenvolvido pelo trabalhador, cujo desempenho, não descontínuo ou eventual, exponha sua saúde à prejudicialidade das condições físicas, químicas, biológicas ou associadas que degradam o meio ambiente do trabalho. Nesse sentido: EINF 2004.71.00.028482-6/RS, Relator Desembargador Federal Luís Alberto DAzevedo Aurvalle, D.E. 8/1/2010 e EIAC 2000.04.01.088061-6/RS, Relator Desembargador Federal Fernando Quadros da Silva, DJU 3/3/2004.
Feitas estas observações, concluo que deve ser mantida a sentença e improvida a apelação do INSS quanto ao reconhecimento da especialidade das atividades exercidas no período de 03/03/1987 a 05/03/1997.
Direito à concessão do benefício de aposentadoria
Mantido integralmente o reconhecimento da especialidade do período deferido na sentença, deve igualmente ser mantido o direito, nela reconhecido, à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a contar da DER (30/11/2020), conforme cálculo mais vantajoso a ser apurado oportunamente em fase de liquidação de julgado.
Consectários da condenação. Correção e juros.
A sentença está de acordo com os parâmetros utilizados nesta Turma, motivo pela qual deverá ser confirmada no tópico.
Honorários advocatícios e custas processuais
Uma vez que a sentença foi proferida após 18/3/2016 (data da vigência do NCPC), aplica-se a majoração prevista no artigo 85, § 11, desse diploma, observando-se os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos. Assim, majoro a verba honorária em 50% sobre o percentual mínimo da primeira faixa (artigo 85, §3º, inciso I, do NCPC).
Destaca-se ainda, que o INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (artigo 4º, inciso I, da Lei 9.289/1996), devendo reembolsar, contudo, eventuais valores adiantados pela parte autora.
Cumprimento imediato do acórdão
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no artigo 497, caput, do Código de Processo Civil, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, a contar da competência da publicação do acórdão.
Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Em homenagem aos princípios da celeridade e da economia processual, tendo em vista que o INSS vem opondo embargos de declaração sempre que determinada a implantação imediata do benefício, alegando, para fins de prequestionamento, violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973, e 37 da CF/1988, impende esclarecer que não se configura a negativa de vigência a tais dispositivos legais e constitucionais. Isso porque, em primeiro lugar, não se está tratando de antecipação ex officio de atos executórios, mas, sim, de efetivo cumprimento de obrigação de fazer decorrente da própria natureza condenatória e mandamental do provimento judicial; em segundo lugar, não se pode, nem mesmo em tese, cogitar de ofensa ao princípio da moralidade administrativa, uma vez que se trata de concessão de benefício previdenciário determinada por autoridade judicial competente.
TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB | |
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Cumprimento | Implantar Benefício |
NB | |
Espécie | Aposentadoria por Tempo de Contribuição |
DIB | 30/11/2020 |
DIP | Primeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício |
DCB | |
RMI | A apurar |
Segurado Especial | Não |
Observações |
Conclusão
1) Manter a sentença quanto ao reconhecimento:
- da especialidade das atividades exercidas no período de 03/03/1987 a 05/03/1997;
- do direito da parte autora à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a contar da DER (30/11/2020), conforme cálculo mais vantajoso a ser apurado oportunamente em fase de liquidação de julgado.
2) Negado provimento à apelação da Autarquia, com a majoração dos honorários advocatícios.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e determinar a implantação do benefício, via Central Especializada de Análise do Benefício - CEAB, com comprovação nos autos.
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