Apelação Cível Nº 5007789-17.2023.4.04.7111/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
RELATÓRIO
O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS interpôs apelação contra sentença proferida em 07/04/2025, que julgou procedente o pedido para conceder à parte autora o benefício de Aposentadoria por Idade da Pessoa com Deficiência, nos seguintes termos (dispositivo):
II DISPOSITIVO
Ante o exposto, com base no art. 487, inc. I, do CPC, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por M. T. C. D. R. contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, para o fim de CONDENAR o INSS a
a ) declarar que a integralidade do tempo contributivo da autora até a DER deu se na condição de pessoa portadora de deficiência em grau leve;
b) conceder o benefício da Aposentadoria da Pessoa Com Deficiência por Idade , desde a data do requerimento administrativo (27/08/2021), com renda mensal atual a apurar, devendo o INSS trazer aos autos comprovante de cumprimento da determinação.
c) pagar à autora as parcelas vencidas, anteriores ao início do pagamento administrativo e posteriores à DER, calculadas conforme os critérios estabelecidos na fundamentação .
Tendo em vista a procedência majoritária da ação e a sucumbência mínima do autor, condeno o INSS a arcar com os ônus daí decorrentes, vedada a compensação. Fixo os honorários advocatícios em 10% do valor das parcelas vencidas até a sentença (art. 85, §4º, III, CPC).
Não há custas a serem ressarcidas, considerando a isenção legal da parte ré (art. 4°, incisos I e II, da Lei n.° 9.289/1996).
Condeno o INSS ao pagamento dos honorários periciais.
Incabível a remessa necessária, nos termos da Súmula 490 do STJ, pois ainda que ilíquida a sentença o valor da condenação jamais ultrapassará mil salários mínimos, conforme Art. 496, §3º, I, do NCPC (TRF4 5023876 53.2015.404.7200, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado a o s autos em 08/09/2016 e TRF4 5074445 13.2014.404.7000, QUINTA TURMA, Relator TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 06/09/2016).
O apelante sustenta, em síntese, que a sentença afastou-se indevidamente das conclusões da avaliação biopsicossocial, a qual seria imprescindível para o reconhecimento da condição de deficiente, nos termos da Lei Complementar nº 142/2013 e da jurisprudência da Turma Nacional de Uniformização. Argumenta que a Lei nº 14.126, embora classifique a visão monocular como deficiência, não dispensa a avaliação caso a caso para fins previdenciários, de modo que a presunção adotada pelo juízo de origem seria ilegal. Requer, assim, a reforma da sentença para que o pedido seja julgado improcedente.
Com contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Aposentadoria por Idade da Pessoa com Deficiência
A Lei Complementar n. 142, que regulamentou o art. 201, §1º, da Constituição Federal de 1988, disciplinou a aposentadoria da pessoa com deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social.
Para o fim de definir o beneficiário da prestação, a referida lei definiu, em seu art. 2º, o conceito de pessoa com deficiência:
Art. 2º Para o reconhecimento do direito à aposentadoria de que trata esta Lei Complementar, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
O art. 3º da Lei Complementar n. 142 estabeleceu os requisitos para a aposentadoria da pessoa com deficiência, remetendo ao regulamento a definição dos graus de deficiência:
Art. 3º É assegurada a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com deficiência, observadas as seguintes condições:
I - aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;
II - aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada;
III - aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve; ou
IV - aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período.
Parágrafo único. Regulamento do Poder Executivo definirá as deficiências grave, moderada e leve para os fins desta Lei Complementar.
Para a concessão da aposentadoria à pessoa com deficiência, é também necessária a avaliação do grau de deficiência, conforme previsão expressa de seus artigos 4º e 5°, a seguir transcritos:
Art. 4° A avaliação da deficiência será médica e funcional, nos termos do Regulamento.
Art. 5º O grau de deficiência será atestado por perícia própria do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, por meio de instrumentos desenvolvidos para esse fim.
Com efeito, a apuração do grau de deficiência constitui elemento indispensável para definir o correspondente tempo de contribuição (art. 3º). Por sua vez, a Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP n° 1, de 27/01/2014, publicada no DOU de 30/01/2014, definiu, no item 4.e, os parâmetros de deficiência, conforme abaixo transcritos:
4.e. Classificação da Deficiência em Grave, Moderada e Leve Para a aferição dos graus de deficiência previstos pela Lei Complementar nº 142, de 08 de maio de 2.013, o critério é:
Deficiência Grave quando a pontuação for menor ou igual a 5.739.
Deficiência Moderada quando a pontuação total for maior ou igual a 5.740 e menor ou igual a 6.354.
Deficiência Leve quando a pontuação total for maior ou igual a 6.355 e menor ou igual a 7.584.
Pontuação Insuficiente para Concessão do Beneficio quando a pontuação for maior ou igual a 7.585.
Exame do caso concreto
A controvérsia recursal cinge-se à correção da sentença que, reconhecendo a condição de pessoa com deficiência da autora em razão de visão monocular, concedeu-lhe o benefício de aposentadoria por idade previsto no art. 3º, IV, da Lei Complementar nº 142/2013.
O magistrado a quo julgou procedente o pedido, fundamentando sua decisão na presunção de deficiência leve para portadores de visão monocular, conforme jurisprudência consolidada, e na conclusão da perícia oftalmológica que atestou a natureza congênita da condição, o que implica que todo o período contributivo foi exercido na condição de pessoa com deficiência.
Para a concessão da aposentadoria da pessoa com deficiência, nos termos da Lei Complementar nº 142/2013 e da Portaria Interministerial nº 1/2014, é necessária uma avaliação biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional.
No caso dos autos, foram realizadas múltiplas perícias. A avaliação social (evento 13) e as avaliações médicas (eventos 34, 52 e 88) compõem o quadro probatório. Destaca-se a perícia realizada por médico especialista em oftalmologia (evento 88), que foi conclusiva ao atestar que a autora é portadora de cegueira no olho esquerdo (CID H54.4) e que essa condição é de natureza congênita, fixando a data de início da deficiência em sua data de nascimento, 08/05/1966.
Ainda que a pontuação combinada das avaliações médica e social, segundo a metodologia do IFBrA, tenha resultado em escore que, isoladamente, seria considerado insuficiente para o enquadramento (7.775 pontos, ligeiramente acima do limite de 7.584 para deficiência leve), a sentença não se afastou da prova técnica, mas a interpretou em conformidade com a legislação superveniente e a jurisprudência pacífica. A Lei nº 14.126 classificou, para todos os efeitos legais, a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual.
Este Tribunal Regional Federal, seguindo a mesma linha, já consolidou o entendimento de que a visão monocular se enquadra, no mínimo, como deficiência de grau leve para fins previdenciários:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. VISÃO MONOCULAR. EFEITOS FINANCEIROS. TERMO INICIAL. TEMA STJ 1124. DIFERIMENTO. 1. A Constituição Federal possibilitou às pessoas com deficiência a adoção de critérios de idade e de tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria, nos termos definidos em lei complementar. 2. Foi necessário o estabelecimento de distinções relativamente objetivas entre os graus de deficiência, tendo em consideração fatores comparativos, já que são muito variadas, em intensidade e extensão as possíveis limitações vivenciadas por aqueles trabalhadores que, a despeito das dificuldades experimentadas, trabalham e contribuem para o sistema de seguridade social. 3. A modificação do enquadramento não pode ser feita, apenas, na perspectiva individual, mas também sistêmica, tomando-se em conta o universo de segurados e de possíveis deficiências a justificar o direito à aposentadoria com menor tempo de contribuição e idade. Apenas aquele que enfrenta os desafios para se inserir no mercado de trabalho e nele permanecer, como pessoa com deficiência, será capaz de mensurar a dimensão desses desafios. Do ponto de vista social, porém, alguns elementos objetivos se farão necessários e eles estão representados em quesitos específicos a serem respondidos pelos médicos e assistentes sociais. 4. De acordo com precedentes desta Corte Regional, nas turmas previdenciárias, tributárias e administrativas, o segurado portador de visão monocular é considerado pessoa com deficiência. Para fins previdenciários tal limitação classifica-se como deficiência leve, fazendo jus o segurado à aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência, de acordo com os critérios da Lei Complementar n.º 142/2013, se implementados os demais requisitos legais. 5. Preenchidos os requisitos legais, tem o segurado direito à aposentadoria da pessoa com deficiência. (...) (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5005778-13.2025.4.04.9999, 6ª Turma, Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 19/08/2025)
A autarquia equivoca-se ao insistir em interpretação puramente matemática da pontuação do IFBrA, ignorando o comando legal expresso da Lei nº 14.126 e a finalidade protetiva da norma constitucional. A avaliação biopsicossocial serve como instrumento para aferir a existência e o grau da deficiência, mas não pode se sobrepor a uma classificação legal inequívoca. Uma vez que a lei qualifica a visão monocular como deficiência, a avaliação pericial passa a ter o condão de graduá-la, e a jurisprudência já pacificou que essa condição corresponde, ao menos, à deficiência leve.
Ademais, a conclusão do perito oftalmologista sobre a data de início da deficiência ser congênita é de fundamental importância e foi corretamente valorada pelo juízo de primeiro grau. Este fato, irrefutado pela autarquia, implica que a autora laborou durante toda a sua vida contributiva na condição de pessoa com deficiência.
Dessa forma, na Data de Entrada do Requerimento (DER), em 27/08/2021, a autora contava com 55 anos de idade e possuía tempo de contribuição superior a 15 anos, todo ele cumprido na condição de pessoa com deficiência, preenchendo, assim, todos os requisitos para a aposentadoria por idade da pessoa com deficiência, nos termos do art. 3º, IV, da Lei Complementar nº 142/2013.
A manutenção da sentença de procedência é, portanto, medida que se impõe.
Majoração de honorários
Desprovido o recurso interposto pelo réu da sentença de procedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte adversa em segundo grau de jurisdição.
Considerada a disposição do art. 85, §11, do Código de Processo Civil (CPC), majora-se em 20% a verba honorária fixada na sentença, observados os limites máximos previstos nas faixas de incidência do art. 85, § 3º, do CPC.
Tutela específica
Considerando os termos do que dispõe o art. 497 do CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e o fato de que, em princípio, esta decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (TRF4, AC 2002.71.00.050349-7, Terceira Seção, Relator para Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007), o julgado deve ser cumprido imediatamente, observando-se o prazo de trinta dias úteis.
Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
| TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB | |
|---|---|
| Cumprimento | Implantar Benefício |
| NB | |
| Espécie | Aposentadoria por Idade da Pessoa com Deficiência |
| DIB | 27/08/2021 |
| DIP | Primeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício |
| DCB | |
| RMI | A apurar |
| Segurado Especial | Não |
| Observações | |
Requisite a Secretaria da 5ª Turma o cumprimento desta decisão à CEAB (Central Especializada de Análise de Benefícios).
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação e, de ofício, majorar os honorários advocatícios e determinar a implantação imediata do benefício, por meio da CEAB.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40005322599v2 e do código CRC 90143752.
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Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 16/09/2025, às 22:59:36