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Apelação Cível Nº 5001596-02.2022.4.04.7117/RS
RELATOR: Juiz Federal ÉZIO TEIXEIRA
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS contra sentença proferida pelo Juízo a quo, que julgou PROCEDENTE o(s) pedido(s) formulado(s) na inicial, nos seguintes termos ():
Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o pedido, resolvendo o mérito forte no art. 487, I, do CPC, para:
(a) determinar ao INSS que averbe o período de atividade rural entre 29/11/1973 a 30/08/1993 no processo administrativo nº 42/186.333.661-0, DER em 19/04/2018;
(b) determinar ao INSS que conceda à parte autora o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição a partir da DER em 19/04/2018 ou a partir da DER reafirmada, em 28/04/2018, conforme a modalidade que lhe for mais vantajosa, nos termos antes referidos;
(c) condenar o INSS ao pagamento da quantia apurada a título de diferenças vencidas no período decorrente desde o marco inicial referido até a competência anterior à da implantação do benefício, descontados os valores já auferidos pelo segurado em razão da concessão do NB 42/196.500.848-5 (DIB: 10/02/2020).
Custas ex lege.
Sucumbente, condeno o INSS a pagar honorários advocatícios em favor do(a) procurador(a) da parte autora, os quais, tendo em conta a norma inserta no art. 85, §§ 2º e 3º, I, do CPC, fixo em 10% sobre o valor da condenação (até 200 salários-mínimos), atualizados pelo IPCA-e desde a data desta sentença até o efetivo pagamento, excluídas as parcelas vincendas, nos termos das Súmulas 111 do STJ e 76 do TRF4.
Sentença não sujeita a reexame necessário, considerando que manifestamente o valor do direito controvertido nesta demanda não excede o limite de mil salários-mínimos. Deixo, assim, de aplicar a Súmula 490 do STJ.
Sentença registrada e publicada eletronicamente. Intimem-se.
Interposto recurso de apelação, intime-se a parte adversa para apresentar contrarrazões no prazo legal (art. 183, caput, e/ou 1.010, § 1º, do CPC). Após, deve ser dada vista ao recorrente caso sejam suscitadas pelo recorrido as matérias referidas no § 1º do art. 1.009, nos termos do § 2º do mesmo dispositivo. Por fim, remetam-se os autos ao Egrégio TRF da 4ª Região, nos termos do 1.010, § 3º, do Código de Processo Civil, independentemente de juízo de admissibilidade.
O INSS alegou (), em síntese, que a AVERBAÇÃO DE TEMPO RURAL LABORADO APÓS A LEI 8.213/1991 EXIGE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. Com relação ao período rural após 11/1991 referiu a necessidade de recolhimentos das contribuições correspondentes, aplicação de juros e multa e modulação dos efeitos financeiros. Ao final, pugnou pela reforma da sentença e o prequestionamento de dispositivos legais.
Foi oportunizada a apresentação de contrarrazões. Vieram os autos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
A apelação preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Premissas - Tempo Rural
Quanto ao reconhecimento do tempo de serviço rural, as premissas são as seguintes:
a) o STJ consolidou seu entendimento a respeito da extensão de validade do início da prova material na recente Súmula 577, cujo enunciado dispõe que "é possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório".
b) Há presunção de continuidade do tempo de serviço rural no período compreendido entre os documentos indicativos do trabalho rural no período abrangido pela carência;
c) O início de prova material pertinente ao período de carência remete-se a períodos anteriores ou posteriores à sua datação, corroborados por prova testemunhal, entendimentos esses citados com destaque no voto condutor do acórdão do REsp nº 1349633 - representativo de controvérsia que consagrou a possibilidade da retroação dos efeitos do documento tomado como início de prova material, desde que embasado em prova testemunhal. Vide julgados da Terceira Seção do STJ: AR 4.507/SP, AR 3.567/SP, EREsp 1171565/SP, AR 3.990/SP e AR 4.094/SP;
d) a inviabilidade de comprovação do labor rural através de prova exclusivamente testemunhal (REsp 1133863/RN, Rel. Ministro CELSO LIMONGI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011);
e) segundo a jurisprudência da 3ª Seção deste Regional, a utilização de maquinário e eventual de diaristas não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial porquanto ausente qualquer exigência legal no sentido de que o trabalhador rural exerça a atividade agrícola manualmente. (TRF4, EINF 5023877-32.2010.404.7000, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, juntado aos autos em 18/08/2015);
f) a admissão, como início de prova material e nos termos da Súmula 73 deste Tribunal, de documentos de terceiros, membros do grupo parental;
g) o tamanho da propriedade rural não é, sozinho, elemento a descaracterizar o regime de economia familiar, desde que preenchidos os demais requisitos (REsp 1403506/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 16/12/2013);
h) segundo a Lei nº 12.873/2013, que alterou, entre outros, o art. 11 da LB, "o grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou de trabalhador de que trata a alínea g do inciso V do caput, à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho, não sendo computado nesse prazo o período de afastamento em decorrência da percepção de auxílio-doença".
i) o exercício de atividade urbana pelo rurícola não afasta, por si só, sua condição de segurado especial. (REsp 1483172/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 27/11/2014);
j) o exercício da atividade rural pode ser descontínuo (AgRg no AREsp 327.119/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 18/06/2015).
l) no que tange ao trabalho do boia-fria, o STJ, por meio, entre outros, do REsp 1.321.493, Rel. Min. Herman Benjamin, abrandou as exigências quanto ao início de prova material da atividade rural, desde que complementada através de idônea prova testemunhal;
m) o segurado especial estar a laborar no campo quando completar a idade mínima para obter a aposentadoria rural por idade, momento em que poderá requerer seu benefício, ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, já preencheu de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos - carência e idade. (STJ, REsp 1354908, 1ª Seção, Tema 642/recurso repetitivo).
n) quanto à idade mínima para exercício de atividade laborativa, a 6ª Turma, ao julgar as apelações interpostas contra sentença proferida na ação civil pública nº 5017267-34.2013.404.7100/RS, movida pelo Ministério Público Federal para afastar a idade mínima prevista no art. 11 da Lei 8.213/91 para fins de reconhecimento de tempo de serviço e contribuição, consolidou o entendimento de que se mostra possível o cômputo de período de trabalho realizado antes dos doze anos de idade (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, Sexta Turma, Relatora para Acórdão Salise Monteiro Sanchotene, julgado em 09-04-2018).
Da delimitação da controvérsia.
Tendo em vista que o recurso do INSS fulcrou somente no termo inicial dos efeitos financeiros para fins de reconhecimento do tempo de serviço rural indenizado a partir de 11/1991, o que indubitavelmente produz reflexos diretos no pleito de retroação da data da Aposentadoria por Tempo de Contribuição.
Segundo relatou a parte autora, em 19/04/2018 a parte autora protocolou o requerimento de aposentadoria por tempo de contribuição NB 42/186.333.661-0, o qual foi indeferido, não havendo reconhecimento do exercício de atividade rural, conforme postulado pela parte autora. Posteriormente, na data de 10/02/2020, o autor ingressou com novo requerimento administrativo - NB 42/196.500.848-5, por meio do qual obteve êxito no reconhecimento da condição de segurado especial entre 29/11/1973 a 30/08/1993, pagando, inclusive, a indenização relacionada ao período posterior a 11/1991 (, pp. 19-41). O benefício foi concedido, mediante o cômputo do referido período de atividade rural. Alega o demandante, portanto, que já no primeiro requerimento possuía direito à aposentadoria. Por este motivo, requer a retroação da DIB, com o pagamento das parcelas vencidas.
Exame do caso concreto
A Sentença proferida pelo Exmo. Juiz Federal JOEL LUIS BORSUK, solucionou a questão com brilhantismo, cito excerto da Sentença:
Quanto ao ponto, observo que a parte autora acostou no processo administrativo nº 42/186.333.661-0 documentos aptos para o reconhecimento da atividade rural, informando, outrossim, seu interesse em indenizar o período posterior a 30/10/1991 (, p. 4). Ademais, ainda que o requerimento administrativo não contivesse prova material acerca do reconhecimento pleiteado (o que, diga-se, não é o caso dos autos), era dever do INSS atuar ativamente no processo administrativo esclarecendo e orientando o segurado acerca de seus direitos e dos meios de exercê-los, emitindo carta de exigência se entendesse necessário.
Neste tocante, é dever do INSS orientar o segurado, prestando esclarecimento sobre as situações que permeiam seu histórico contributivo, haja vista sua responsabilidade pela averiguação do cumprimento dos requisitos para obtenção dos benefícios previdenciários, o que deriva do próprio caráter social da atividade prestada pela autarquia.
Nesse sentido:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. INDEFERIMENTO DE PERÍCIA. INTERESSE PROCESSUAL. 1. Incabível o agravo de instrumento no caso de indeferimento de perícia porquanto não se trata de decisão incluída no rol do artigo 1015 do NCPC, o qual tem caráter taxativo. 2. Não cabe cogitar da falta de interesse de agir pela ausência de postulação específica da contagem de tempo especial na ocasião do requerimento administrativo. Havendo pedido de aposentadoria, com apresentação de documentos aptos a demonstrarem eventual especialidade, está suprida a necessidade. 3. É dever da Autarquia orientar o segurado de forma adequada quanto à documentação necessária ao cômputo correto dos períodos trabalhados, inclusive no que tange à especialidade. (TRF4, AG 5009945-78.2017.404.0000, QUINTA TURMA, Relator (AUXÍLIO FAVRETO) TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 16/05/2017).
Dessa forma, assiste à parte autora o direito à averbação e cômputo do período de atividade rural entre 29/11/1973 a 30/08/1993 no processo administrativo NB 42/186.333.661-0, requerido em 19/04/2018.
Assim sendo, somando-se os interstícios de labor rural posteriormente reconhecidos, com o período computado administrativamente pelo INSS no primeiro requerimento administrativo, verifica-se que a parte autora apresenta a seguinte situação na DER do NB 42/186.333.661-0, em 19/04/2018:
CONTAGEM DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO
TEMPO DE SERVIÇO COMUM
Data de Nascimento | 29/11/1961 |
Sexo | Masculino |
DER | 19/04/2018 |
Reafirmação da DER | 28/04/2018 |
- Tempo já reconhecido pelo INSS:
Marco Temporal | Tempo | Carência |
Até a data da EC nº 20/98 (16/12/1998) | 19 anos, 9 meses e 2 dias | 1 carências |
Até a data da Lei 9.876/99 (28/11/1999) | 19 anos, 9 meses e 2 dias | 1 carências |
Até a DER (19/04/2018) | 33 anos, 1 meses e 21 dias | 182 carências |
- Períodos acrescidos:
Nº | Nome / Anotações | Início | Fim | Fator | Tempo | Carência |
1 | - | 01/11/1991 | 30/08/1993 | 1.00 | 1 anos, 10 meses e 0 dias | 0 |
2 | - | 20/04/2018 | 28/04/2018 | 1.00 | 0 anos, 0 meses e 9 dias | 1 |
Marco Temporal | Tempo de contribuição | Carência | Idade | Pontos (Lei 13.183/2015) |
Até a data da EC nº 20/98 (16/12/1998) | 21 anos, 7 meses e 2 dias | 1 | 37 anos, 0 meses e 17 dias | inaplicável |
Pedágio (EC 20/98) | 3 anos, 4 meses e 11 dias | |||
Até a data da Lei 9.876/99 (28/11/1999) | 21 anos, 7 meses e 2 dias | 1 | 37 anos, 11 meses e 29 dias | inaplicável |
Até a DER (19/04/2018) | 34 anos, 11 meses e 21 dias | 183 | 56 anos, 4 meses e 20 dias | 91.3639 |
Até a reafirmação da DER (28/04/2018) | 35 anos, 0 meses e 0 dias | 183 | 56 anos, 4 meses e 29 dias | 91.4139 |
- Aposentadoria por tempo de serviço / contribuição
Em 16/12/1998 (EC 20/98), o segurado não tem direito à aposentadoria por tempo de serviço, ainda que proporcional (regras anteriores à EC 20/98), porque não cumpre o tempo mínimo de serviço de 30 anos, nem a carência mínima de 102 contribuições.
Em 28/11/1999 (Lei 9.876/99), o segurado não tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição, ainda que proporcional (regras de transição da EC 20/98), porque não preenche o tempo mínimo de contribuição de 30 anos, o pedágio de 3 anos, 4 meses e 11 dias (EC 20/98, art. 9°, § 1°, inc. I), a carência de 108 contribuições e nem a idade mínima de 53 anos.
Em 19/04/2018 (DER), o segurado tem direito à aposentadoria proporcional por tempo de contribuição (regras de transição da EC 20/98), com o coeficiente de 75% (EC 20/98, art. 9º, §1º, inc. II). O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99 e com incidência do fator previdenciário, uma vez que não foi observado o tempo mínimo de contribuição de 35 anos (Lei 8.213/91, art. 29-C, inc. I, incluído pela Lei 13.183/2015).
Em 28/04/2018 (reafirmação da DER), o segurado tem direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/88, art. 201, § 7º, inc. I, com redação dada pela EC 20/98). O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99, com a incidência do fator previdenciário, uma vez que a pontuação totalizada (91.41 pontos) é inferior a 95 pontos (Lei 8.213/91, art. 29-C, inc. I, incluído pela Lei 13.183/2015).
Como demonstrado na tabela acima, observa-se que, na DER, a parte autora teria direito à aposentadoria proporcional por tempo de contribuição, ao passo que, em 28/04/2018 (antes do término do processo administrativo, o qual findou em 22/01/2019 - , p. 32), o autor teria direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição.
Sendo assim, deve ser declarado o direito do segurado à revisão do benefício de que é titular (NB 196.500.848-5), com retroação da DIB e apuração do benefício que lhe gere uma RMI mais vantajosa. Tem direito também ao pagamento dos atrasados devidos desde a primeira DER (29/04/2018 ou da DER reafirmada para 28/04/2018), caso opte por benefício com DIB nesta data, descontando-se as parcelas já recebidas em razão da concessão do benefício de aposentadoria com DIB em 10/02/2020.
Convém esclarecer, por fim, no tocante aos efeitos financeiros decorrentes da concessão de benefício previdenciário, mediante o acréscimo do labor rural indenizado, que, via de regra, somente tem início a partir da data em que efetivado o pagamento da respectiva GPS, haja vista a sua natureza constitutiva.
Por outro lado, também não deve ser desconsiderado o entendimento da Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, segundo o qual a data de início do benefício poderá ser fixada na própria DER no caso de expresso requerimento de indenização na via administrativa indevidamente obstaculizado pelo INSS, conforme precedentes a seguir transcritos:
"PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. EFEITOS FINANCEIROS. COMPLEMENTAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS POSTERIOR À DER. PEDIDO ADMINISTRATIVO DE EMISSÃO DE GUIAS INDEVIDAMENTE OBSTACULIZADO. DISTINÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. Conforme uniformização reiterada, o benefício previdenciário somente será devido a partir do recolhimento da complementação, pois tem efeito constitutivo para efeito de assegurar o adequado enquadramento (5007400-11.2018.4.04.7013, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relator GABRIEL DE JESUS TEDESCO WEDY, juntado aos autos em 06/05/2021). 2. A circunstância de haver requerimento administrativo de emissão de guias para complementação indevidamente obstaculizado, no entanto, caracteriza ponto de distinção que permite que os efeitos financeiros sejam fixados na DER, ressalvando a aplicação da uniformização precedente. 3. Pedido de uniformização regional desprovido" (grifei) (TRU da 4ª Região, PUIL nº 5001692-89.2019.4.04.7127, Rel. Juíza Federal Luísa Hickel Gamba, julgado em 22.10.2021).
"PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. INDENIZAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES DO PERÍODO POSTERIOR A 31/10/1991. EFEITOS FINANCEIROS. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO DE PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO. REITERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA. 1. Discrímen operado na decisão recorrida que indica a necessidade de, reiterando a jurisprudência já firmada por esta Turma Regional, acrescentar a distinção reconhecida no acórdão recorrido. 2. Assim, (a) na hipótese de não haver expressa intenção do segurado no processo administrativo em efetuar o recolhimento (ou complementação) de contribuições não recolhidas no momento oportuno, a concessão do benefício e seus efeitos financeiros estão atrelados ao prévio recolhimento, nos estritos termos em que já restou decidido em outras oportunidades por esta Turma Regional. O mesmo raciocínio se aplica quando o INSS não obsta a regularização das contribuições mas, por ato próprio, o segurado deixa de fazê-lo; (b) na hipótese de haver expresso requerimento no processo administrativo para recolhimento (ou complementação) de contribuições, tendo sido ele obstado pela autarquia, a concessão do benefício somente será viável após o prévio recolhimento, mas a data de início do benefício coincidirá com a DER, já que, neste caso, a ausência (ou insuficiência) de recolhimento decorre de ato imputável à autarquia. 3. Incidente de uniformização a que se nega provimento" (grifei) (TRU da 4ª Região, PUIL nº 5005463-22.2020.4.04.7004/PR, Rel. Juíza Federal Flávia da Silva Xavier, julgado em 22.10.2021).
No caso em apreço, como visto, constata-se que houve pedido expresso para a emissão de guia relativa ao recolhimento das contribuições rurais posteriores a 31/10/1991 ainda no primeiro requerimento administrativo (, p. 4).
Tal solicitação, entretanto, restou indevidamente obstaculizada pelo INSS, uma vez que a autarquia previdenciária deixou de reconhecer a atividade rural do autor, conforme se extrai do despacho de indeferimento: , p.1.
Por tais motivos, faz jus o autor ao pagamento dos atrasados devidos desde a primeira DER (29/04/2018 ou da DER reafirmada para 28/04/2018), nos termos acima referidos.
Indenização de período rural trabalhado após 31/10/1991.
A possibilidade de recolhimento a posteriori das contribuições previdenciárias, para fins de cômputo em beneficio de aposentadoria por tempo de contribuição, quando comprovado o labor rural como segurado especial após o advento da Lei 8.213/91, está expressa na legislação previdenciária da seguinte forma:
art. 39, II, da Lei 8.213:"Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do caput do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão: (...) II - dos benefícios especificados nesta Lei, observados os critérios e a forma de cálculo estabelecidos, desde que contribuam facultativamente para a Previdência Social, na forma estipulada no Plano de Custeio da Seguridade Social".
Ainda, o STJ editou a Súmula nº 272, in verbis:
"O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher contribuições facultativas".
A obrigatoriedade desse recolhimento, que se dá na forma de indenização, é de reconhecimento pacífico no TRF da 4ª Região, encontrando resguardo nos seguintes julgados: TRF4, AC 5001692-89.2019.4.04.7127, Relatora LUÍSA HICKEL GAMBA, juntado aos autos em 22.10.2021,AC 5021750-80.2022.4.04.7201, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 12/10/2023; AC 5015911-22.2022.4.04.9999, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 12/10/2023; AC 5000010-77.2023.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 13/10/2023; AC 5013023-23.2022.4.04.7108, QUINTA TURMA, Relator ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, juntado aos autos em 26/10/2023.
Entretanto, pairam sobre a questão dois pontos distintos de controvérsia, quais sejam:
1. Se é possível a utilização do período indenizado para fins de enquadramento do benefício pretendido nas regras anteriores à EC 103/19, bem como a incidência das regras de transição contidas no referido normativo constitucional;
2. Se a data de início do benefício será fixada na DER ou no efetivo recolhimento da indenização do período, caso essencial à concessão do pleito.
Passo à análise de ambas as questões.
Data de início do benefício e início dos efeitos financeiros
Nesse ponto, entendo que a análise da situação em exame pode levar a duas conclusões diferenciadas, com desfechos distintos:
i) Quando houve pedido formal junto à autarquia de emissão das guias de recolhimento da indenização;
ii) Se inexiste prova de pedido de emissão das guias para pagamento;
No aspecto, necessário esclarecer que revejo posicionamento anterior, no sentido de que em todos os casos seria possível a concessão do benefício desde a DER, com efeitos financeiros retroativos integrais. Ocorre que, diante da pendência de contribuição da indenização, o provimento jurisdicional se torna com efeitos parcialmente condicionais, o que em diversos casos gerava controvérsia insuperável, além de dúvida plausível quanto à higidez dos julgados, ao conferir efeitos integrais a depender de eventual emissão de guias para indenização, nunca antes solicitadas. Assim, revejo a posição adotada quanto ao tema, para melhor individualizar os fatos.
A posição doravante adotada assim se resume:
Tendo ocorrido pedido formal de emissão das guias, caso (i), o benefício deverá ser concedido a partir da data de entrada do requerimento (DER), e terá seus efeitos financeiros integrais desde o início. Filio-me, no ponto, à corrente que entende que o período a ser indenizado adere ao patrimônio jurídico do segurado, que teve seu direito obstado por equívoco administrativo (negativa de emissão das guias) a ser corrigido na via judicial. Admitir, no caso, a postergação indevida, tanto da concessão do benefício quanto de seus efeitos financeiros, seria admitir que a autarquia previdenciária se beneficiasse da própria torpeza no ato de indeferir erroneamente a emissão das guias solicitadas para indenização.
Nesse sentido:
"Em regra, o termo inicial dos efeitos financeiros nos casos de indenização de labor rural posterior a 1991 deverá recair na data do pagamento das contribuições financeiras efetuadas após o requerimento administrativo. Situação distinta e excepcional se dá quando o segurado postulou, expressamente, a emissão das guias de pagamento das contribuições desse período perante o INSS nesse momento, e não foi atendido. Nesse caso, o benefício será devido desde a DER, dado que o Instituto Previdenciário não pode se beneficiar da sua própria torpeza ao deixar de atender à solicitação de pagamento na época própria. Precedente da TRU da 4ª Região (5001692-89.2019.4.04.7127, Relatora LUÍSA HICKEL GAMBA, juntado aos autos em 22.10.2021) (TRF4 5021750-80.2022.4.04.7201, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 12/10/2023)
1. A data de indenização do período rural não impede que seja ele computado, antes daquela data, para fins de verificação do direito à aposentadoria. Uma vez indenizado, o período se incorpora ao patrimônio jurídico do segurado. 2. O recolhimento das contribuições é condição suspensiva para a implantação do benefício (DIP), porém não para que se reconheçam efeitos financeiros pretéritos, uma vez que o direito surge, sob condição suspensiva, quando da prestação do serviço ou realização da atividade. 3. Efetuado o recolhimento, não há qualquer impedimento ao cômputo do período indenizado para fins de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição. 4. Preenchidos os requisitos legais, tem o segurado direito à obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição. (TRF4, AC 5000010-77.2023.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 13/10/2023)
Já na ocorrência da hipótese contrária, (ii), quando não há qualquer pedido administrativo de reconhecimento expresso de período rural e emissão de guias, entendo que os requisitos para concessão do benefício devem ser contabilizados na DER, entretanto não poderão os efeitos financeiros do benefício concedido em juízo serem perfectibilizados antes do pagamento das guias a serem emitidas. Nessa hipótese, o período rural a ser indenizado deve ser contabilizado para fins de verificação do direito, porém penderão o início dos efeitos financeiros do recolhimento das guias, a serem emitidas em virtude da condenação imposta.
Há outra situação análoga, sobre a qual deve incidir o mesmo entendimento, que é a de pagamento das guias ou consignação dos valores em juízo durante o trâmite da ação judicial. Nesse caso, os efeitos financeiros iniciarão do efetivo recolhimento da mesma forma, entretanto sem depender da emissão futura de guias, já tendo ocorrido o pagamento ou depósito com efeitos consignatórios em juízo.
É a posição vertida nos seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. COMPROVADO. LABOR RURAL POSTERIOR A 31/10/1991. SUPORTE CONTRIBUTIVO. NECESSIDADE. EFEITOS DO RECOLHIMENTO. TEMPO ESPECIAL. AGENTE CANCERÍGENO. CROMO. CROMATOS. BICROMATOS. COMPROVADO. REQUISITOS NÃO
(... )
5. Quanto ao período de labor rural posterior à vigência da Lei nº 8.213/91 (mais especificamente a partir de 01/11/1991), precedentes deste Tribunal, do STJ e do STF esclarecem que, ainda que comprovado o labor agrícola, esse tempo de serviço não pode ser utilizado para a obtenção de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição sem o necessário suporte contributivo. 6. Não obstante, o período pode ser reconhecido em juízo (pronunciamento de natureza declaratória), restando vinculado seu cômputo para fins de aposentadoria por tempo de contribuição à indenização correspondente. Diante do pedido expresso da parte autora e do reconhecimento do labor rural, caberá ao INSS, quando do cumprimento do julgado, a expedição das
(...)
9. O pagamento das contribuições previdenciárias relativas ao período rural exercido após 31/10/1991 não enseja a retroação da DIB para a DER. Nessa linha, o marco inicial dos efeitos financeiros de benefício concedido mediante cômputo do período indenizado deve ser fixado na data em que houve o respectivo pagamento, tendo em vista que os requisitos para o aproveitamento do tempo de contribuição somente se perfectibilizam com o efetivo recolhimento das contribuições. Precedentes. (...)(TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5015911-22.2022.4.04.9999, 9ª Turma, Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 12/10/2023)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES EM ATRASO. POSSIBILIDADE. EFEITOS FINANCEIROS. O pagamento de indenização relativa a contribuições previdenciárias efetuado no bojo da ação previdenciária não enseja a retroação da DIB para a DER. Nessa linha, deve o marco inicial dos efeitos financeiros do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição ser fixado na data em que houve o efetivo recolhimento das contribuições previdenciárias relativas aos respectivos períodos, visto que somente a partir daí houve o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5019421-59.2017.4.04.7205, 9ª Turma, Desembargador Federal CELSO KIPPER, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 22/07/2021)
No caso dos autos, restou demonstrado, por meio do processo administrativo ocorreu pedido administrativo de expedição das respectivas guias para indenização () . Portanto, aplica-se ao caso em análise a hipótese (i) suprarreferida, devendo o benefício ser calculado imediatamente e seus requisitos serem verificados na DER, e o início de seus efeitos financeiros deve ser fixado igualmente na DER.
Indenização do tempo de serviço rural - multa e juros
O trabalhador rural, a partir da edição da Lei nº 8.213, tornou-se segurado obrigatório do Regime Geral de Previdência Social, na condição de segurado especial (art. 11, inciso VII). Foram garantidos ao segurado especial, além dos benefícios de aposentadoria por idade e invalidez, auxílio-doença, auxílio-reclusão e pensão, os demais benefícios especificados na Lei nº 8.213, desde que contribua facultativamente para a Previdência Social, nos termos do art. 39, inciso II, desse diploma legal. Depreende-se, assim, que a contagem recíproca do tempo de contribuição, quanto ao período de atividade rural posterior a outubro de 1991, exige o recolhimento de indenização.
A forma de cálculo da indenização decorre do disposto no art. 45 da Lei nº 8.212, revogado pela Lei Complementar nº 128, e no art. 45-A, incluído pela LC nº 128/2008. Eis a redação dos dispositivos, com as alterações supervenientes:
Art. 45. O direito da Seguridade Social apurar e constituir seus créditos extingue-se após 10 (dez) anos contados: (Revogado pela Lei Complementar nº 128, de 2008).
§ 1º Para comprovar o exercício de atividade remunerada, com vistas à concessão de benefícios, será exigido do contribuinte individual, a qualquer tempo, o recolhimento das correspondentes contribuições. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999). (Revogado pela Lei Complementar nº 128, de 2008).
§ 2º Para apuração e constituição dos créditos a que se refere o parágrafo anterior, a Seguridade Social utilizará como base de incidência o valor da média aritmética simples dos 36 (trinta e seis) últimos salários-de-contribuição do segurado. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.032, de 28.4.95)
§ 2º Para apuração e constituição dos créditos a que se refere o § 1º deste artigo, a Seguridade Social utilizará como base de incidência o valor da média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, reajustados, correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994. (Redação dada pela Lei Complementar nº 123, de 2006). (Revogado pela Lei Complementar nº 128, de 2008).
§ 3º No caso de indenização para fins da contagem recíproca de que tratam os arts. 94 a 99 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, a base de incidência será a remuneração sobre a qual incidem as contribuições para o regime específico de previdência social a que estiver filiado o interessado, conforme dispuser o regulamento, observado o limite máximo previsto no art. 28 desta Lei. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.032, de 28.4.95). Revogado pela Lei Complementar nº 128, de 2008).
§ 4º Sobre os valores apurados na forma dos §§ 2º e 3º incidirão juros moratórios de um por cento ao mês e multa de dez por cento. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.528, de 10.12.1997).
§ 4º Sobre os valores apurados na forma dos §§ 2º e 3º incidirão juros moratórios de zero vírgula cinco por cento ao mês, capitalizados anualmente, e multa de dez por cento. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999).
§ 4º Sobre os valores apurados na forma dos §§ 2º e 3º deste artigo incidirão juros moratórios de 0,5% (zero vírgula cinco por cento) ao mês, capitalizados anualmente, limitados ao percentual máximo de 50% (cinqüenta por cento), e multa de 10% (dez por cento). (Redação dada pela Lei Complementar nº 123, de 2006). (Revogado pela Lei Complementar nº 128, de 2008).
Art. 45-A. O contribuinte individual que pretenda contar como tempo de contribuição, para fins de obtenção de benefício no Regime Geral de Previdência Social ou de contagem recíproca do tempo de contribuição, período de atividade remunerada alcançada pela decadência deverá indenizar o INSS. (Incluído pela Lei Complementar nº 128, de 2008).
§ 1º O valor da indenização a que se refere o caput deste artigo e o § 1º do art. 55 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, corresponderá a 20% (vinte por cento): (Incluído pela Lei Complementar nº 128, de 2008).
I - da média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, reajustados, correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994; ou (Incluído pela Lei Complementar nº 128, de 2008).
II - da remuneração sobre a qual incidem as contribuições para o regime próprio de previdência social a que estiver filiado o interessado, no caso de indenização para fins da contagem recíproca de que tratam os arts. 94 a 99 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, observados o limite máximo previsto no art. 28 e o disposto em regulamento. (Incluído pela Lei Complementar nº 128, de 2008).
§ 2º Sobre os valores apurados na forma do § 1o deste artigo incidirão juros moratórios de 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, capitalizados anualmente, limitados ao percentual máximo de 50% (cinqüenta por cento), e multa de 10% (dez por cento). (Incluído pela Lei Complementar nº 128, de 2008).
O pagamento previsto na lei previdenciária, para fins de contagem recíproca de tempo de serviço, possui natureza nitidamente indenizatória, não se revestindo do caráter de tributo, por lhe faltar a compulsoriedade, atributo essencial das obrigações tributárias.
Em razão da decadência, a Fazenda Pública não pode constituir crédito tributário com o fito de exigir as contribuições atinentes ao período de atividade vinculada ao Regime Geral de Previdência Social. Tampouco as contribuições relativas ao período em que a filiação ao RGPS não era obrigatória ou as contribuições eram facultativas podem ser compulsoriamente cobradas. Por conseguinte, descabe aplicar as normas vigentes à época do fato gerador.
Entretanto, diante da ausência de previsão legal em período anterior à edição da MP nº 1.523, de 11-10-1996, convertida na Lei nº 9.528, não cabe a incidência de multa e de juros moratórios sobre a indenização do tempo de contribuição relativo àquele período. Dessarte, se tais consectários começaram a ser exigidos a partir da entrada em vigor da MP nº 1.523/1996, para os segurados que já possuíam o direito de ver computado período precedente mediante indenização e só o exerceram posteriormente à edição da MP, não podem ser aplicadas as regras supervenientes. Do contrário, haveria aplicação retroativa da lei previdenciária para prejudicar o segurado, não calhando alegar que a legislação em vigor na data da prestação dos serviços previa o cômputo dos acréscimos legais, justamente porque os respectivos créditos não podem mais ser exigidos de forma compulsória.
A jurisprudência desta Corte está pacificada no sentido de que a indenização deve ser calculada com base na legislação em vigor na data do requerimento, afastando-se a incidência de juros moratórios e multa em relação ao tempo de contribuição anterior à edição da MP nº 1.523/1996, convertida na Lei nº 9.528, por ausência de previsão legal:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. NÃO CONHECIMENTO DA REMESSA OFICIAL. SEGURADO TRABALHADOR RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. HIDROCARBONETOS: NOCIVIDADE. EXPOSIÇÃO A AGENTES QUÍMICOS. CONTAGEM RECÍPROCA. INDENIZAÇÃO. PERÍODO ANTERIOR À MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.523/1996. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL DE INCIDÊNCIA DE MULTA E JUROS DE MORA. REAFIRMAÇÃO DA DER. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. 1. A remessa necessária não deve ser admitida quando se puder constatar seguramente que, a despeito da iliquidez da sentença, o proveito econômico obtido na causa será inferior a 1.000 (mil) salários (art. 496, § 3º, I, Código de Processo Civil) - situação em que se enquadram, invariavelmente, as ações destinadas à concessão ou ao restabelecimento de benefício previdenciário pelo Regime Geral de Previdência Social. 2. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições especiais são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente foi prestada, passando a constituir direito adquirido do trabalhador. 3. É legalmente indispensável a existência de início de prova material para a comprovação, mediante o depoimento de testemunhas, de tempo de atividade rural. 4. A ausência de expressa referência em decreto regulamentar a hidrocarbonetos não equivale a que tenha desconsiderado, como agentes nocivos, diversos compostos químicos que podem ser assim qualificados. 5. Para os agentes nocivos químicos previstos no Anexo 13 da Norma Regulamentadora - NR 15, entre os quais os hidrocarbonetos e outros compostos tóxicos de carbono, é desnecessária a avaliação quantitativa. 6. O tempo de serviço rural em regime de economia familiar, quando utilizado para fins de contagem recíproca, deve ser indenizado, consoante dispõe o art. 96, inciso IV, combinado com o art. 55, parágrafo 2º, da Lei nº 8.213. 7. Diante da ausência de previsão legal anteriormente à edição da Medida Provisória nº 1.523/1996, convertida na Lei nº 9.528, não cabe a incidência de multa e de juros moratórios sobre a indenização relativa a esse período. 8. A reafirmação da data de entrada do requerimento administrativo (DER), antes inclusive admitida pela administração previdenciária (IN 77/2015), tem lugar também no processo judicial, uma vez verificado o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício, como fato superveniente, após o ajuizamento da ação ou da própria decisão recorrida, de ofício ou mediante petição da parte. 9. Considerada a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 497, caput, do Código de Processo Civil, e tendo em vista que a decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, é imediato o cumprimento do acórdão quanto à implantação do benefício devido à parte autora, a ser efetivado em 30 (trinta) dias. (TRF4 5029127-89.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 23/10/2022)
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. JUROS DE MORA E MULTA REFERENTES A CONTRIBUIÇÕES NÃO RECOLHIDAS EM PERÍODOS ANTERIORES À MP 1.523/96 (LEI 9.528/97). APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. 1. Comprovado o labor rural em regime de economia familiar, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea, o segurado faz jus ao cômputo do respectivo tempo de serviço. 2. A incidência de juros moratórios e multa no cálculo da indenização das contribuições previdenciárias, imposta pelo § 4º do art. 45 da Lei n.º 8.212/91, somente é exigível a partir da edição da MP n.º 1.523/96. 3. Preenchidos os requisitos legais, tem o segurado direito à obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição, com direito aos valores atrasados desde a DER, ficando a implantação dependente do recolhimento das contribuições pretéritas em atraso. (TRF4, AC 5000121-45.2017.4.04.7130, SEXTA TURMA, Relator JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA, juntado aos autos em 25/08/2022)
Nesse sentido, ainda, a incidência do Tema 1.103 do STJ:
As contribuições previdenciárias não recolhidas no momento oportuno sofrerão o acréscimo de multa e de juros apenas quando o período a ser indenizado for posterior à edição da Medida Provisória n.º 1.523/1996 (convertida na Lei n.º 9.528/1997).
Na hipótese, é indevida, por falta de previsão legal, a incidência dos encargos de multa e de juros moratórios sobre o montante da indenização, por se tratar de período anterior à edição da MP nº 1.523, de 11-10-1996, posteriormente convertida na Lei nº 9.528, de 1997.
Tendo o INSS emitido guias de pagamento para as contribuições previdenciárias em debate (GPS), inclusive computando-as como tempo de contribuição, foram adimplidas corretamente e no montante integral, cumprindo o seu dever de indenização, conforme se depreende do .
Portanto, a sentença está de acordo com o entendimento deste Colegiado e nenhuma reforma da decisão monocrática se mostra necessária.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção Monetária
Após o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, do Tema 810 (RE 870.947), e dos embargos de declaração opostos contra a decisão, rejeitados e com afirmação de inexistência de modulação de efeitos, deve a atualização monetária obedecer ao Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece para as condenações judiciais de natureza previdenciária o que segue:
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Assim, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices, que se aplicam conforme a incidência ao período compreendido na condenação o IGP-DI, (de 5/1996 a 3/2006 (artigo 10 da Lei 9.711/1998, combinado com o artigo 20, §§5º e 6º, da Lei 8.880/1994), e o INPC a partir de 4/2006 (artigo 41-A da Lei 8.213/1991).
O Superior Tribunal de Justiça (REsp 149146) - a partir da decisão do STF e levando em conta que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial) - distinguiu os créditos de natureza previdenciária para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização, deveria voltar a incidir, em relação a eles, o INPC, que era o índice que os reajustava à edição da Lei n. 11.960/2009.
É importante registrar que os índices em questão (INPC e IPCA-E) tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde 7-2009 até 9-2017 (mês do julgamento do RE n. 870.947): 64,23% contra 63,63%. Assim, a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação, a partir de 4-2006, do INPC aos benefícios previdenciários e o IPCA-E aos de natureza assistencial.
No que pertine aos juros de mora, deverão incidir a contar da citação (Súmula 204 do STJ), na taxa de 1% (um por cento) ao mês, até 29/06/2009. A partir de 30 de junho de 2009, os juros moratórios serão computados, uma única vez (sem capitalização), segundo percentual aplicável à caderneta de poupança, conforme Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, considerado constitucional pelo STF (RE 870.947, com repercussão geral).
A partir de 9/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve ser observada a redação dada ao artigo 3º da EC 113/2021, a qual estabelece que haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
De 09/12/2021 a 09/09/2025, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve ser observada a redação dada ao artigo 3º da EC 113/2021, a qual estabelece que, nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente, na forma do dispositivo anteriormente mencionado.
A partir de 10/09/2025, tendo em vista a revogação da regra prevista no art. 3º da EC nº 113/2021 pela EC nº 136/2025, a atualização monetária será feita de acordo com o decidido nos Temas 810/STF e 905/STJ, mediante a aplicação do INPC na correção monetária e, no tocante aos juros de mora, por meio da "incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009) (...)".
Registre-se que não se cogita em violação aos Temas 810/STF e 905/STJ em razão da aplicação da SELIC, porquanto o julgamento da questão pelo tribunais superiores não impede a alteração pelo poder constituinte derivado, cujo poder de reforma está limitado materialmente apenas às hipóteses previstas no art. 60, §4º, da Constituição Federal.
Após a expedição do requisitório até o seu efetivo pagamento, pela regra inscrita no art. 3º da EC 113/2021 com a redação dada pela EC 136/2025, a atualização monetária será feita pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples de 2% a.a. (dois por cento ao ano), vedada a incidência de juros compensatórios. Caso o percentual a ser aplicado a título de atualização monetária e juros de mora, apurado na forma do caput deste artigo, seja superior à variação da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para o mesmo período, esta deve ser aplicada em substituição àquele. Nos processos de natureza tributária serão aplicados os mesmos critérios de atualização e remuneração da mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário. Durante o período previsto no § 5º do art. 100 da Constituição Federal, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos.
Prequestionamento
Segundo entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, ainda que ausente menção expressa a dispositivos legais, se a matéria suscitada foi devidamente examinada pela Corte a quo, está caracterizado o prequestionamento implícito, o qual viabiliza o conhecimento do recurso especial.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULA EM CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE QUE EXCLUI A COBERTURA DE PRÓTESES, ÓRTESES E MATERIAIS DIRETAMENTE LIGADOS AO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO AO QUAL SE SUBMETE O CONTRATADO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS TIDOS POR VIOLADOS. NÃO-CONHECIMENTO. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 284 DA SÚMULA DO STF. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. A FALTA DO PREQUESTIONAMENTO EXPLÍCITO NÃO PREJUDICA O EXAME DO RECURSO ESPECIAL, UMA VEZ QUE A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE É UNÍSSONA EM ADMITIR O PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. O DIREITO À VIDA E À SAÚDE SÃO DIREITOS INDIVIDUAIS INDISPONÍVEIS, MOTIVO PELO QUAL O MINISTÉRIO PÚBLICO É PARTE LEGÍTIMA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA VISANDO DECLARAR A NULIDADE DE CLÁUSULAS ABUSIVAS CONSTANTES EM CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE QUE DETERMINAM A EXCLUSÃO DA COBERTURA FINANCEIRA DE ÓRTESES, PRÓTESES E MATERIAIS DIRETAMENTE LIGADOS AO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO AO QUAL SE SUBMETE O CONSUMIDOR. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. AgRg no Ag n. 1088331-DF, Quarta Turma, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 29-03-2010:
Assim, restam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelo recorrente.
Honorários advocatícios
Tratando-se de sentença publicada já na vigência do novo Código de Processo Civil, aplicável o disposto em seu art. 85 quanto à fixação da verba honorária.
No que tange ao cabimento da majoração de que trata o §11 do art. 85 do CPC/2015, assim decidiu a Segunda Seção do STJ, no julgamento do AgInt nos EREsp nº 1.539.725-DF (DJe de 19-10-2017):
É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, §11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente:
a) vigência do CPC/2015 quando da publicação da decisão recorrida, ou seja, ela deve ter sido publicada a partir de 18/03/2016; b) não conhecimento integralmente ou desprovimento do recurso, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; c) existência de condenação da parte recorrente ao pagamento de honorários desde a origem no feito em que interposto o recurso.
No caso concreto, estão preenchidos todos os requisitos acima elencados, sendo devida, portanto, a majoração de que trata o §11 do art. 85 do CPC/2015.
Assim, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios em 20% sobre o percentual anteriormente fixado.
Conclusão
- Negado provimento ao apelo do INSS;
- Majorados os honorários sucumbenciais em 20%;
- Sendo beneficiário de Aposentadoria por Tempo de Contribuição, aguarde-se o trânsito em julgado para optar pelo benefício mais vantajoso, sendo assegurado o adimplemento das parcelas/diferenças vencidas na forma do Tema 1.018 do STJ;
- Deverão ser observados os ditames do IRDR 14 do Eg. TRF da 4ª Região, descontando os benefícios inacumuláveis.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso do INSS e majorar os honorários advocatícios.
Documento eletrônico assinado por EZIO TEIXEIRA, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005414335v7 e do código CRC 10f6b4dc.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): EZIO TEIXEIRA
Data e Hora: 11/11/2025, às 07:13:21